quarta-feira, 10 de março de 2010

Elite prefere o lucro ao meio ambiente, diz José Afonso da Silva


A elite não está muito preocupada com o meio ambiente. Está mais preocupada com os seus lucros.
A avaliação é do jurista, José Afonso da Silva, renomado constitucionalista e ambientalista, um dos pioneiros no estudo do direito ambiental no Brasil.



Nascido em Minas Gerais, veio para São Paulo em 1947, de origem humilde, seu pai foi lavrador, José Afonso da Silva trabalhou como alfaiate antes de formar, em 1957, em Direito pela Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo), do Largo São Francisco. E dela se tornou, mais tarde, professor titular de 1975 a 1995, foi responsável pelo curso de Direito Urbanístico, em nível de pós-graduação, e agora está aposentado.

Em entrevista ao Observatório Eco, José Afonso da Silva revela que trabalhou em São Paulo com o jurista Hely Lopes Meireles, um dos mais atuantes na área do direito administrativo, e um dos primeiros a se preocupar com o direito ambiental, no Brasil, ainda na década de 60. Desta época, ele conta do estudo pioneiro que juntos fizeram para preservar o rio Piracicaba, que sofria com a poluição provocada pelas usinas de cana-de-açúcar.

Para o jurista, o governo tem grande deficiência na tutela de proteção ao meio ambiente o que contribui para que “a lei ambiental não seja respeitada”. E revela que para os que desrespeitam essa legislação a melhor punição é a aquela que vai direto “ao bolso”.

José Afonso da Silva é livre-docente em Direito Constitucional pela USP (1969) e pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) em 1965. Participou ativamente da Assembléia Constituinte que elaborou a Constituição Federal brasileira de 1988 e diz que “a elite não gosta desta Constituição”. Para ele a elite procura retirar da Constituição Federal os direitos sociais, ambientais, dos índios, a elite, só não pede “para retirar da Constituição o direito da propriedade”, destaca o jurista.

Ele continua na ativa elaborando pareceres jurídicos e mantém sua rotina de ir ao escritório quase todos os dias. Hoje sua principal área de atuação é o direito constitucional e ambiental. Autor de diversos livros acaba de lançar pela Editora Malheiros a 8ª edição da obra “Direito Ambiental Constitucional”. É membro do Instituto dos Advogados do Brasil e da Associação Brasileira de Constitucionalistas Democráticos, da qual foi presidente e fundador.

O jurista defende que a “sustentabilidade é um conceito muito mais amplo, é de natureza econômica e de bem-estar da população em todos os seus sentidos”. E afirma que “se não existir a consciência dessa sustentabilidade, não se terá a possibilidade de conservação da Natureza para as gerações futuras”. Aponta que não podemos esquecer que “as gerações futuras têm os mesmos direitos”, mas, “que somos responsáveis para garantir esses direitos”.

Veja a entrevista que José Afonso da Silva concedeu ao Observatório Eco com exclusividade.


Observatório Eco: Qual o maior desafio dos operadores do direito que atuam na área ambiental?

José Afonso da Silva: O maior desafio é a resistência, dos donos de grandes áreas, dos poluidores em seguirem as regras para a proteção do meio ambiente. Essa é uma área que lida com uma elite muito forte, que não está muito preocupada com o meio ambiente. Está mais preocupada com os seus lucros.

Podemos ver isto até na resistência dos Estados Unidos em aderirem aos protocolos e atos internacionais relativos ao clima. Esse é o grande problema. Nós temos aqui no Brasil, o problema do desmatamento da Amazônia.

Observatório Eco: Por que temos no Brasil um baixo grau de consciência ecológica, já que possuímos uma Natureza tão exuberante? Não deveríamos nos preocupar em protegê-la?

José Afonso da Silva: A preocupação com o meio ambiente é razoavelmente recente. Lembro que em 1967, eu trabalhava com Hely Lopes Meireles, e ele tinha essa preocupação. Mas, aqui ninguém tinha. Só havia uma comissão que estudava o tema e ficava na região do ABC, em São Paulo. Naquela época, trabalhando com ele, fizemos no interior um estudo de preservação do rio Piracicaba (SP), que estava sendo muito poluído. Os peixes morrendo envenenados em razão das usinas de açúcar. Outro problema grave da época foi a fábrica de cimento de Perus.

Só na década de 70 começou a se produzir estudos nessa área, inclusive no estrangeiro, em alguns lugares essa consciência ambiental começou mais cedo, por exemplo, na Espanha, Alemanha.

Não se pode negar que há um avanço bem razoável na conscientização, não se pode negar isso. Mas é uma área resistente que mexe com interesses econômicos. É preciso entender que um Planeta limpo beneficia muito a eles também e o patrimônio deles. Todo Direito tem muita luta.

Observatório Eco: E o Judiciário está mais consciente das questões ambientais?

José Afonso da Silva: O Judiciário também está, mas ainda está muito longe. Há muitas decisões ambientais, o STF (Supremo Tribunal Federal) já está mais consciente. Mas muito longe do ideal. Esse é um processo muito lento. Pena que enquanto isso eles estão destruindo a Natureza. A Natureza luta por sua própria vida, ela quer se recompor.

Daí as muitas situações calamitosas que enfrentamos. Existe a reação da Natureza a tudo que está acontecendo com ela. Outro problema sério é o aumento da temperatura global, isso já está dando sinal muito sério de que se não se cuidar desse problema a Natureza vai destruindo.

Observatório Eco: Muitos especialistas dizem que nossa legislação ambiental é magnífica. Mas na hora da aplicação surgem os obstáculos. De que serve uma doutrina brilhante se ela não garante a nossa preservação?

José Afonso da Silva: A doutrina brilhante não impõe aos recalcitrantes o dever de atender a legislação. Só mesmo a punição pode resolver a questão. Mas não a punição com cadeia, é a punição no bolso, econômica. E maior fiscalização por parte do governo que tem muita deficiência na fiscalização e aplicação da legislação ambiental. O que contribui para que a lei ambiental não seja respeitada.

Observatório Eco: O Congresso retoma a votação das mudanças no Código Florestal, que reflete esse embate entre o avanço da agricultura e a preservação das florestas. Qual a sua avaliação sobre esse tema?

José Afonso da Silva: Essa é uma velha luta, eles estão sempre querendo mudar o código para destruir a Amazônia. Ou seja, transformar a Amazônia numa área de agricultura. Eles não percebem, ou ainda não tiveram a oportunidade de estudar melhor a composição das terras da Amazônia, para compreender que o desmatamento da região não irá contribuir nem para a agricultura. Pode servir momentaneamente, mas depois será uma terra imprestável para essa atividade. Estudiosos da floresta amazônica já demonstraram que aquelas terras são muito frágeis, e que a destruição da floresta que a protege irá transformar o local em deserto e isso destrói a possibilidade de agricultura ali. Mas enfim…..

Observatório Eco: Existe, também, no Congresso uma discussão que visa retirar da Constituição Federal o artigo 225, que trata do meio ambiente. De que forma o senhor avalia essa intenção?

José Afonso da Silva: Claro, ai fica muito melhor, ai é que destrói tudo de uma vez. Eles querem retirar tudo que seja um entrave ao lucro. Já conseguiram algumas emendas na área econômica, daqui a pouco tiram o artigo 225. Eles só não pedem para retirar da Constituição o direito da propriedade.

Eles pedem para tirar tudo o mais, por exemplo, os direitos sociais. Direitos sociais eles dizem é para gente pobre, os ricos não estão preocupados com esses direitos. A elite não está preocupada com isso.

A elite não gosta desta Constituição. Desde que ela foi promulgada, eles vêm lutando para deformá-la. Conseguiu muita coisa já com uma fase neoliberal com o presidente Fernando Henrique, especialmente, e com o governo do Lula.

Exatamente por isso, a Constituição garante os direitos sociais e garante direitos como esses, por exemplo, do meio ambiente, garante o direito dos índios. Esses direitos estorvam a elite. A elite não aceita direitos que não sejam em benefício dos seus lucros, de sua posição social. Por isso quer destruir, se se quer preservar o meio ambiente para o futuro essa é uma luta da sua geração. Luta que envolve a manutenção do artigo 225 e de outros na Constituição Federal.

Observatório Eco: Qual o seu recado para essa geração?

José Afonso da Silva: Conscientização de que a Natureza precisa da nossa proteção. Nós podemos tirar da Natureza tudo que é necessário para as nossas vidas, mas é preciso fazer uma exploração sustentável, que signifique exatamente isso, conservar para as gerações futuras.

Ter consciência da sustentabilidade, que não é apenas um problema ambiental, a sustentabilidade é um conceito muito mais amplo, é de natureza econômica e de bem-estar da população em todos os seus sentidos.

Se não existir a consciência dessa sustentabilidade, não se terá a possibilidade de conservação da Natureza para as gerações futuras. Precisamos lembrar que as gerações futuras têm os mesmos direitos que nós, mas, nós é que somos responsáveis para garantir esses direitos..

Nenhum comentário:

Postar um comentário