segunda-feira, 9 de maio de 2011

Porque um grupo de políticos quer mudar o código florestal

Levantamento da Revista ISTOÉ mostra que pelo menos 27 deputados e senadores tinham pressa em aprovar a nova lei para se livrarem de multas milionárias e se beneficiarem de desmatamentos irregulares

Lúcio Vaz

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PARLAMENTARES NA MIRA DO IBAMA
Deputado Giovanni Queiroz (PDT-PA)

Foi multado por exploração em área de manejo florestal em período de chuvas, vetado por lei
Senador Jayme Campos (DEM-MT)
Recebeu multa de R$ 5 milhões, por desmatar em Área de Proteção Permanente (APP)

Deputado Reinaldo Azambuja (PSDB-MS)
Autuado por alterar curso de rio para captação de água e por contaminar recursos hídricos

Deputado Paulo César Quartiero (DEM-RR)
Recebeu multa de R$ 56 milhões por destruir a vegetação nativa em área de 6,2 mil hectares

Senador Ivo Cassol (PP-RO)
Acusado de desmatar reserva legal sem autorização e de destruir vegetação nativa em Rondônia

Deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP)
Relator do projeto que agrada aos ruralistas por abrir brecha para desmatamento 


Apesar do amplo apoio que o governo Dilma Rousseff tem no Congresso, um grupo de parlamentares tentou aprovar a toque de caixa, na semana passada, o projeto do novo Código Florestal brasileiro. Não conseguiu. Na quarta-feira 4, a bancada governista fez prevalecer sua força e a discussão foi adiada para a próxima semana. Por trás da pressa de alguns parlamentares, porém, não existia propriamente o interesse por um Brasil mais verde e sustentável. Reportagem de ISTOÉ apurou que pelo menos 27 deputados e senadores defendiam seu próprio bolso e estavam legislando em causa própria (abaixo, cinco casos exemplares). Todos eles já foram punidos pelo Ibama por agressão ao meio ambiente e o novo código que queriam aprovar a toque de caixa prevê anistia para multas impostas a desmatadores. O benefício se estenderia também a empresas e empresários do agronegócio que, nas eleições do ano passado, fizeram pesadas doações a esse bloco parlamentar ligado à produção rural.

“O adiamento é inevitável. É muito difícil analisar uma coisa que não tem rosto, cara. Essa, na verdade, é uma disputa entre Aldo e o PT ”, comentou o deputado Ricardo Tripoli (PSDB-SP) no início da noite da quarta-feira. Ele se referia ao relatório do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), que começava a ser criticado por ministros de Dilma. O grupo que exigia a imediata aprovação sabia muito bem o que tinha a ganhar ou perder, ao contrário de boa parte do plenário. O deputado Paulo Cesar Quartiero (DEM-RR) é um exemplo típico. Campeão de infrações, ele foi multado em R$ 56 milhões por eliminar 2,7 mil hectares de vegetação sem autorização em Pacaraima (RR), destruir outros 323 hectares de vegetação nativa e impedir a regeneração em mais 3,5 mil hectares. Foram duas infrações em 2005 e mais duas em 2009. Uma de suas fazendas, de cinco mil hectares, chegou a ser proibida de produzir. Quartiero afirma que sofreu perseguição política porque foi um dos líderes dos arrozeiros na região da reserva indígena Raposa Serra do Sol: “O governo fez acusações para provocar a nossa saída da área”, reclama. Ele vendeu o que restou das suas terras e benfeitorias e comprou 11 mil hectares na Ilha de Marajó (PA) para criar gado e plantar arroz.

A alegação de retaliações partidárias é corriqueira entre os infratores. O senador Ivo Cassol (PP-RO) também sofreu multas pesadas entre 2007 e 2009, período em que era governador de Rondônia. Foi acusado de desmatar 160 hectares em reserva legal sem autorização, destruir 352 hectares de floresta nativa e ainda efetuar “corte raso” em 2,5 hectares em Área de Proteção Permanente (APP). Mas fala em caça às bruxas: “Isso foi perseguição do pessoal do PT, pois minhas fazendas têm 50% de preservação. O setor produtivo não pode ser tratado como bandido.” Cassol nega que esteja procurando o amparo da anistia, ao apoiar o texto de Rebelo. “Não quero isenção de multa. Vou ganhar na Justiça.”O senador e fazendeiro Jayme Campos (DEM-MT) é outro que se inclui na turma dos acossados. Foi multado em R$ 5 milhões por quatro infrações impostas em 2004 e 2005, todas já arquivadas. É acusado também de promover desmatamento em APPs às margens de córregos de uma fazenda, a Santa Amália. “Quando cheguei lá tudo já estava assim, tinha sido desmatado em 84, 85 e 86”, diz ele. Campos alega que as multas foram anunciadas depois de declarações que ele fez contra “a truculência” de fiscais.
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RAZÃO
O deputado Tripoli: contra a votação às pressas

O Ibama também pegou o deputado Irajá Abreu (DEM-TO), filho da senadora Kátia Abreu (DEM-TO), presidente da Confederação Nacional da Agricultura e uma das principais lideranças dos ruralistas no Congresso. Multado no ano passado por promover desmatamento em uma propriedade que recebeu de herança em Tocantins, ele afirma que a fazenda “já tinha sido aberta” em 1978, enquanto a legislação sobre o tema só foi aprovada em 1989: “Era um ato jurídico perfeito, que se aplicava na época. Por isso, eu agora defendo a consolidação das áreas.” Ele se refere a um dos pontos mais polêmicos do novo Código Florestal: o fim da exigência de recuperação de florestas em áreas já utilizadas para plantio. O relator Aldo Rebelo prevê a manutenção da área como estava em julho de 2008, quando o projeto foi apresentado.

As multas do Ibama não dizem respeito apenas a infrações cometidas no campo. O deputado Ângelo Agnolin (PDT-TO), por exemplo, construiu um quiosque numa área de APP, às margens do lago que banha a capital Palmas. A multa de R$ 5 mil acabou sendo anistiada num termo de acordo, mas ele não escapou do prejuízo com a demolição do bar de 190 metros quadrados. Casado com a vice-prefeita de Palmas, Edna Agnolin, ele afirma que “tudo é uma questão de interpretação”, pois “o lago é artificial”. Já o deputado Marcos Medrado (PDT-BA) foi multado em 2009 por construir um viveiro de peixes de espécies nativas. Medrado explica que comprou no Pará 50 alevinos de pirarucu registrados, mas não conseguiu apresentar a documentação a tempo. Foi multado em R$ 100 mil.

Fora as pendengas pessoais, o bloco ruralista tende a defender seus financiadores de campanha. Empresas ligadas ao agronegócio doaram pelo menos R$ 45,5 milhões para deputados e senadores nas eleições do ano passado. O levantamento foi feito a partir de dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Mais de 300 parlamentares receberam doações do setor, mas um grupo de 176 foi privilegiado com doações acima de R$ 100 mil. Sete grandes empresas que doaram um total de R$ 25 milhões têm infrações e multas impostas pelo Ibama. O estoque de autuações nesta área parece interminável. Na prestação de contas do governo federal feita no ano passado, consta a aplicação de ­R$ 14,6 bilhões em multas entre 2005 e 2009. A maior parte é resultante de desmatamento na Amazônia. No entanto, muito pouco desse montante retornou aos cofres públicos. Nos últimos dez anos, foram arrecadados apenas R$ 278 milhões, segundo dados do Siafi apurados pela ONG Contas Abertas. Caso aprovada, a anistia de Rebelo beneficiará infrações cometidas até julho de 2008.
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PRESSÕES
Movimentos ambientalistas tentaram contrabalançar o rolo compressor armado pelos ruralistas

Embora conheça o poder de fogo dos ruralistas, o governo demorou a reagir ao relatório de Aldo Rebelo. Quando percebeu que havia muito contrabando embutido no texto, a presidente Dilma Rousseff pediu aos ministros do Meio Ambiente, Isabela Teixeira, e da Agricultura, Wagner Rossi, que fossem ao Congresso para tentar um acordo. E fez uma recomendação especial: os dois ministros, apesar de suas diferenças, deveriam expressar uma posição única, que representasse o governo. Assim foi feito. Mas, naquela noite, o governo perceberia outra verdade: as bancadas ruralista e governista estavam misturadas. O PT votaria com o governo, mas as dissidências no PMDB seriam consideráveis.

Na manhã da quarta-feira 4, o presidente da Frente Parlamentar da Agricultura, Moreira Mendes (PPS-RO), acompanhou a bancada estadual de Rondônia até o gabinete de Rebelo, para entregar-lhe uma comenda da Assembleia Legislativa. À vontade entre os ruralistas, Rebelo puxou uma enorme faca de cozinha, com cabo de madeira, e começou a picar o seu fumo em rama. Em seguida, entre baforadas, mostrou que era um aliado. “Acontece um tsunami no Japão e querem culpar o agricultor que planta café, cacau, e cria gado em Rondônia.” Ele vê uma conspiração mundial contra o País: “Querem bloquear as possibilidades de uso do nosso solo, subsolo, recursos hídricos, em benefício do nosso desenvolvimento. Como diz certo autor, ‘não existe lugar para os pobres no banquete da natureza’”, filosofou o comunista Aldo Rebelo.
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Fonte: http://www.istoe.com.br/reportagens/136133_PORQUE+UM+GRUPO+DE+POLITICOS+QUER+MUDAR+O+CODIGO+FLORESTAL

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