sexta-feira, 9 de abril de 2010

Construções que desafiam a natureza se espalham pelo Brasil

Reconstruída de acordo com as regras de hoje, a paisagem brasileira seria muito diferente.

Um hotel na praia. Como uma fortaleza, avançando até as ondas, ele ocupa a faixa de areia, área comum, patrimônio de todos em João Pessoa, na Paraíba. Um escândalo aos olhos do século 21, mas o Hotel Tambaú estava dentro da lei quando ficou pronto.

“À época da sua inauguração, em 1971, a gente ainda não tinha plano diretor. Esse marco regulatório só passa a existir a partir de 1974. Dessa forma, ele não se configura como uma construção irregular”, explicou a arquiteta Cristina Evelise, presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil na Paraíba.



Não que os paraibanos queiram se livrar do hotel. Há um sentimento de que, num dos estados mais pobres do país, a construção que se pretende grandiosa, ajuda a economia.

“Eu moro aqui há 25 anos e não incomoda em nada não, faz parte do cotidiano. Os turistas gostam muito. Já quem não frequenta é porque não tem condições. Mas é bom para o estado, é bom para a cidade”, disse Joseane dos santos, vendedora de acarajé.

“Hoje em dia eu vejo o hotel Tambaú totalmente harmonizado com a paisagem da praia de Tambaú. E é um orgulho para a maioria dos paraibanos esse nosso hotel”, falou Fernando Souza, gerente geral do hotel Tambaú.



A verdade é que as nossas cidades refletem muito os nossos valores, o que nós consideramos certo ou errado. Só que isso muda com o tempo, conforme vamos tendo mais informações. E aí a legislação também é atualizada. Reconstruída de acordo com as regras de hoje, a paisagem brasileira seria muito diferente – começando pelo Rio de Janeiro. Os prédios da orla perderiam muitos andares, deixando o verde natural voltar ao fundo. Prédios, como um na Lagoa Rodrigo de Freitas, que se projetam muito acima dos outros, seriam apagados.

“Mantém uma relação pouco cordial com seus vizinhos, com os edifícios que estão ao lado, e também porque ele se insere na paisagem de modo muito arrogante”, explicou Sérgio Magalhães, presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil no Rio.

Hoje nem a histórica Igreja da Penha, nem o bondinho do Pão de Açúcar, nem o Cristo Redentor seriam erguidos. Mas esses monumentos, símbolos da cidade e do país, são percebidos como patrimônio de todos - por isso, aceitos a qualquer tempo.

No Centro do Rio, no entanto, um viaduto deteriorou a área da Praça XV, justamente o pedaço onde nasceu a cidade do Rio e que guarda tanta história do Brasil. A prefeitura tem um projeto para derrubar o viaduto - desejo antigo da cidade - como já fez com um prédio dos Correios. Sobrou só o piso, bem no encontro das praias de Ipanema e Copacabana. De novo integradas, como a natureza planejou.

Em Florianópolis, manter a paisagem em pedaços de paraíso que todo mundo cobiça não é tarefa fácil. Casas avançam sobre o espelho d’água da Lagoa da Conceição. O município processa, vêm as ordens judiciais e volta e meia as máquinas põem abaixo o que nunca deveria ter sido erguido.
Mas a justiça é mais lenta do que as invasões.

“São três séculos de ocupação desordenada. A casa em cima do espelho d’água não poderia mais construída nos dias de hoje. Um supermercado, que está praticamente dentro d’água”, conta Gérson Bassos, da Fundação Meio-Ambiente de Florianópolis.

Na maior cidade das Américas, não uma construção, mas toda a ocupação desordenada das margens dos rios Pinheiros e Tietê criou um mega problema.

“O rio está muito apertadinho naquele lugar, para o tamanho do rio e pela quantidade de água que ele tem. E aí logo próximo às marginais já começam as construções dos prédios”, declarou o engenheiro civil Sadalla Domingos.

Em Belo Horizonte, um bairro inteiro é acusado de mudar não só a vista da Serra do Curral, mas também de criar um paredão de arranha-céus que impede a circulação dos ventos. “O bairro Belvedere é um bairro bonito. Não vejo problema”, opina a jornalista Camila Leste.

“O que eu acho que a gente tem que abordar agora é o que a gente quer da cidade daqui pra frente. É possível perder, por exemplo, a qualidade de vida coletiva em prol de um empreendimento individual? A gente tem que questionar isso”, disse a arquiteta Cláudia Pires, presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil em Minas Gerais.

A resposta vai ter a nossa cara, a nossa personalidade. “A cidade é o conjunto de todos nós. Do nosso uso, da nossa vida e da nossa memória. Cada vez que se destrói um pedaço dela, cada um de nós é atingido”, concluiu Sérgio Magalhães.

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